sexta-feira, 29 de março de 2024

Buscando provocações para escrita de aforismos

Aforismos e citações (quando não houver tempo, não vou colocar autores e depois complemento; a ideia é anotar e ganhar tempo)


Hoje vou usar citações do livro Assim falou Zaratustra,  do Nietszche.


1.O que é grande no homem é ele ser uma ponte e não uma meta. O que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um declínio.

2.É preciso ser um mar para, sem se poluir, receber um rio poluído. 

3.                                          

quarta-feira, 6 de março de 2024

Segundo dia de trabalho disciplinado na escrita do livro Mil folhas e uma

Amigas convidadas, bom dia.

A partir de hoje dou inicio a esta partilha pelo blog do meu processo de escrita. 

E estando aqui novamente entendo que não inventaram nada melhor que um blog para a escrita. Até o formulário de postagem é generoso, limpo, simples. E garante um arquivamento melhor.

Espero que vocês gostem de acompanhar essa jornada.

Ontem foi o primeiro dia em que escrevi der um jeito profissional. Estou voltando a acordar cedo. O objetivo é levantar um pouco antes das cinco, fazer a rotina da manhã e sem ter contato com nenhuma rede social, praticar as #morning pages. 

Vou testar também ter uns 20 minutos de leituras para aquecer a escrita (depois arranjo um nome em outra língua para isso.) 

Esta escrita compartilhada aqui faz parte do projeto de pós-doutorado que estou iniciando com o professor Luis Augusto Fischer. 



terça-feira, 5 de março de 2024

abertura os acontecimentos naquela casa

 

Os acontecimentos naquela casa

 

Tentando fazer um cálculo rápido, usando estratégias para multiplicar o número de janelas horizontais pelo número de andares, querendo chegar a um valor numérico aproximado, multipliquei pelo número de famílias, usando cinco como uma média razoável. Cinco pessoas em cada janela. Mas nesse conjunto habitacional da periferia de São Paulo, onde minha tiA ‘estava morando, feliz por ter se livrado do aluguel, dentro de um financiamento com juros baixos se comparados com os juros de agiotagem que os bancos cobravam, os apartamentos mínimos eram habitados por famílias numerosas, com seus agregados. Todo dia, praticamente, chegavam pessoas com malas e sacolas, vindo de outros bairros ou outros estados. Muitos nordestinos, vindo do ciclo perverso do êxodo. Então, se a média ficasse entre cinco e oito, o cálculo se alterava. Perdi as contas mas já eram milhares. Na lógica do formigueiro, era madrugada quando saiam dos buracos, carregando folhas e pedrinhas, pesos maiores do que os corpos. Essas formigas caminhavam, sob o efeito de uma alucinação. O sono interrompido. A noite mal dormida. O cansaço acumulado. Um exército obediente, em fileira ordenada, em direção aos espaços de tortura, nos subempregos, em condições precárias, com as marmitas chacoalhando nas mochilas surradas. Passar o final de semana na casa da minha tia era um tempo de descanso. Ali, a ordem da minha mãe não vigorava. Ali eu podia até estudar, distante da infância em que essa mesma tia exercia sua tirania e violência. E no apartamento mínimo e arrumadinho, tudo limpo e organizado, com cheiro bom de mãos zelosas, eu conseguia até dormir melhor.

Algum resquício de culpa fazia com que minha tia se desdobrasse em carinho. Fazia comidas boas. Fazia um manjar com calda de ameixas, que eu gostava tanto mas que em casa era substituído, para meu desgosto, pelo pudim de leite de minha mãe. Era o melhor pudim de leite das redondezas, as vizinhas pediam a receita e voltavam para obter dicas, nem sempre funcionava da primeira vez. Queriam saber qual era o segredo. Eu não poderia me dar ao luxo de perder uma sobremesa. E comia, com enjoo, o pudim de gosto horrível. Eu detestava tudo naquele pudim. E detestava ainda mais o fato de minha mãe sempre fazer o mesmo pudim. Com o valor dos ingredientes, seria possível fazer o manjar, minha tia sempre dizia isso pra minha mãe. E a resposta era sempre a mesma: se a Esther é enjoada e não gosta, que coma menos, sobra mais.

Minha tia gostava muito de comer bem. E descobria lugares bons com preços baixos. Pelo menos uma vez no mês, quando recebia o salário, me convidava para comer fora. E a alegria de ver minha tia comendo e tomando sua cervejinha me ajudava a esquecer a tia da infância. Na situação em que eu vivia, essa conta fechava bem. Mais tarde fui entender esses pactos que eu fazia. Aprendi a negociar para resistir. Aprendi a me aproximar do sequestrador e demostrar afeto por ele. Sempre com a esperança de que a violência fosse reduzida. Os dias de ficar na casa da tia Rosa eram dias de alívio, dias de alguma alegria.

Aos dezessete anos, frequentava muitos espaços de arte e aproveitava, com meus amigos, aproveitar o que a cidade oferecia. Campanhas de gratuidade, convites, carteirinha de estudante. Tudo que nos permitisse ver filmes, óperas, peças de teatro, eventos, palestras, shows. Muitas vezes os ônibus para nosso bairro acabavam e era preciso esperar até o dia amanhecer para chegar em casa. Sempre avisei em casa. Não podíamos pagar por uma linha telefônica. Era preciso confiar. E eu era uma adolescente confiável. Me surpreendeu muito ter chegado cansada e faminta em casa e ter sido recebida pela fúria de minha mãe. Aos berros, ofendida e destemperada, usava palavrões para criticar minha vida: você está parecendo uma puta, vive com esses amigos drogados, com essa historinha de movimento cultural, movimento cultural é o cacete, desculpa esfarrapada para fazer merda, e nessa casa quem manda sou eu e se você não seguir minhas regras pode pegar seus paninhos de bunda e ir embora. Respondi, mais cansada do que a fim de entrar na briga, que eu não estava mentindo, que já tinha avisado, que o movimento era importante, e antes de falar mais recebi o tapa, que deu início a um domingo de horror. Foi no quarto, quando eu tentava trocar de roupa, enquanto ela gritava, que tudo aconteceu. Ela trancou a porta, já com o cinto grosso do meu pai. Lá fora, minhas irmãs batiam na porta, pedindo que ela abrisse. Eu sabia que a surra ia ser das piores. E decidi, com uma sobriedade desconhecida, apenas receber os golpes. Que vieram sem hesitação. Apanhei muito, sem me mover, sem dizer uma palavra. E por dentro, repetia para mim mesmo: vou sair daqui.

 

 

 

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Tão fácil perder-se nas ruas do medo

 Hoje é a primeira segunda-feira depois do Carnaval.

Para muitas pessoas, é um dia de questionamentos.

Onde vou colocar meus sonhos, onde vou encaixar as metas para ser feliz neste ano.

Tantos pequenos obstáculos aparecem: a impressora não funciona, o ponto de interrogação do teclado desaparece.

Sei que ninguém virá por aqui, para ler qualquer palavra escrita hoje. Nem depois.

Mas foi aqui que o Fábulas surgiu.

Escrito sem cálculo, puro jorro.

Maria Lucia virou bolsonarista. Muitas voltas ao redor do sol.

A premissa do livro: histórias da casa sórdida da infância.

Os acontecimentos naquela casa.

A viagem da avó perversa. 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O psiquiatra

Recebe suas perguntas
e seu olhar perplexo
fingindo que não olha.
Anota tudo, mas está de soslaio
E o que procura assim, feito um réptil?
Tua carne exposta?
Tua fraqueza?
Ou talvez a força
de agarrar-se a qualquer mínima tábua
no mar inquieto
e gigantesco
produtor incansável de ondas
imensas
que se chama
vida?
Ele tem contas a pagar
filhos infelizes
mulheres indecentes
e um carro que exibe sem ânimo.
Ele não tem a profissão dos sonhos
e usa os remédios
para trazer você de volta
à vida.
Enquanto, ele mesmo,
temeroso,
foge do mar:
o mar, assustador, diário
e gigantesco.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Comida

Um girassol exposto na vitrine. Um girassol, desperdiçado na varanda tão alta. O amarelo exuberante não dá para engolir. E que gosto teria esse girassol quase doce, girassol dizendo palavras de amor exagerado. Não posso comer o amarelo que me intriga. Este amarelo ao redor de uma base, terra pura, roda marrom, talvez a carne da paixão que o amarelo espalha em delicadeza quase bruta. Eu quero comer o girassol. Ou me transformar, quem sabe, em terra pura, que seja a parideira do sabor desta pergunta.

domingo, 20 de março de 2011

A tua palavra

Quero tua palavra 
na minha casa 
junto com o sol
as flores. 



Não traga tua palavra
invasora,
quebrando os cristais
feroz e embriagada.

Não traga a palavra que
pela fresta mínima da janela
me nega passaporte e idioma para os mundos
com que sonho.


Deixe-a bem guardada,
se por acaso tua palavra
estiver planejando
desmoronamentos.

Brinco

Cai a pérola falsa
no piso do banheiro
a mulher recolhe o brinco barato
e sonha com as pérolas reais
dos sonhos e dos filmes.

Cai a pérola falsa
no solo verde e no deserto
a mulher recolhe o amor barato
e sonha com os filmes
em que os amores são pérolas.

Cai a pérola falsa
na partitura corrigida pelo regente
a mulher recolhe as moedas
espalhadas no chão do metrô
e sonha com o palco
recoberta de pérolas
e pétalas.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Abandone esta faca

Então que lua afinal
Vai fazer com que a sua vida resplandeça
Essa mesma lua que ilusioriamente
Você viu chegar no mês passado
E que sem nenhum pudor
Tomou para si, e a emodulrou numa metáfora porca
E desleixada

Então, que mar afinal
Vai tornar sua alma andarilha
Mar,  exemplo máximo de luxúria na paisagem
Esse mar que pela superfície
Você julgou compreender
E sem nenhum pudor
Desenhou em quadros pueris
E rotineiros.

Então, que desperdício afinal
Esta sua vida
Sem ter um norte ao seu dispor
E apenas rumos já traçados
Por viajantes desastrados
E cheios de medo. 

sábado, 5 de março de 2011

Dentro deste sábado

É domingo
dentro deste sábado
e o inverno é uma estação distante.



É domingo
dentro deste sábado
e preciso de mais bebidas
que me entreguem alguma ressaca.

Lá fora, um  mar
marés de março
e ondas nervosas,
meu navio ancorado
gruda os olhos em mim
toca a sirene e me convida a deixar o passado.

É domingo, antes que o sábado termine,
o calor estoura dentro dos meus miolos
quero coragem para tirar esta pele
e vou agarrada à minha fome
deixar para trás meus dias de formiga.


Há poesia suficiente em mim
para que eu suporte
as acusações
do tribunal
que não tolera a felicidade das cigarras.

terça-feira, 1 de março de 2011

AKIRA YAMASAKI: CONVIDADO ESPECIAL

cuidados

cuidado para não sufocar
o amor com excessiva ternura
tudo que é demais de repente
pode acabar em doce ruptura

cuidado para não cozinhar
no fogo brando da indecisão
a paixão que pode se cansar
de estar sempre à disposição

cuidado para manter sempre
o ponto do caldo sem desandar
sem apertar demais o parafuso
que corre  o risco de espanar.

akira yamasaki – 28/02/2011.


http://blogdoakirayamasaki.blogspot.com/
http://ipedesh.blogspot.com/

Abrigo

Vamos dispensar 
a fome de abraços
e distribui-los
sem endereço fixo

abraços fora de catálogo
fora da época das liquidações

Vamos dispersar os abraços
polinizando estes caminhos desolados
de silêncio e desconforto

Vamos prescrever os abraços
generosos e demorados
para recuperar a saúde 
da infância.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Nas nuvens

Pense nas nuvens 
como aula:
lições imprecisas e contínuas
de ondas inconstantes.


Pense nas nuvens 
como aula:
entregues ao vento
e dispostas para o seu olhar
distraído.



Pense nas nuvens
como aula:
nada tem a duração devida
nas alturas do improviso.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Poema para virar canção

Hoje,
e talvez ontem
quem sabe até no mês passado
no ano que passou
inteirinho

uma voz lá dentro
me dizendo:
cadê a moça feliz
que estava aqui?


Hoje,
e talvez ontem
quem sabe até no mês passado,
no ano que passou
inteirinho

uma voz lá dentro
me dizendo:
cadê a moça medrosa
que estava aqui?

Ontem, e também hoje
minha pele virou coragem
meu coração insiste em acreditar

e por isso
você me vê passar
às vezes parece que corro
às vezes parece que paro
às vezes pareço confusa

e uma voz lá dentro
me dizendo:
cadê a moça sonhadora
que estava aqui?

domingo, 23 de janeiro de 2011

Areia

Seria a perfeição se todo solo em que eu pisasse fosse feito de areia.
Seria outro mundo, se todo passado que eu vivi fosse feito de areia.
Seria outra pessoa, se eu soubesse que tudo é feito de areia.
Os castelos, os amores, os pesadelos e as viagens.
Tudo será remetido ao nada, um dia desses.
Eu, meus castelos, minha imperfeição, meus medos e meu passado.
A areia permanece.

Na estrada

Talvez seja uma utopia, mas eu gostaria de estar assim, ainda hoje: na estrada.
Não deu para fazer a história da viagem aqui, por falta de tempo e inadequada logística.
Aos poucos, quem sabe, eu consiga traduzir a viagem em textos.
Mas um amigo me disse: " a viagem nunca começa, a viagem só termina!".
Não sei se entendi, não sei se concordo. Mas a minha viagem que anunciei aqui teve um momento de parada.
Estou em tempo de pouso.
E talvez a poesia esteja viajando.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Na estrada

Pensei em abrir outra casa-blog, mas vou usar este mesmo endereço.
A partir de hoje, as postagens estarão registrando um momento de mudança.
Vou colocar os pés na estrada, rumo a Porto Alegre.
A idéia é postar textos, crônicas, relatos, fotos, músicas e imagens.
Vamos ver se dá certo...

Beijos a todos!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

NOITE FELIZ



INVENTARAM O NATAL. E A ÁRVORE CRESCEU NA MINHA MEMÓRIA. RARAS VEZES A ÁRVORE FOI GENEROSA NA FAMÍLIA POBRE ONDE NASCI. E A CRIANÇA QUE EU ERA APRENDEU A SER FAMINTA DE COISAS DISTANTES. 
O NATAL PODE SER DOLORIDO QUANDO UMA CRIANÇA NÃO TEM EXPLICAÇÕES SOBRE A FALTA. NENHUMA CRIANÇA PODE ENTENDER A ÁRVORE ALHEIA, REPLETA. MAS CRESCEMOS. E SE TUDO DÁ CERTO, ATENDEMOS OS PEDIDOS DAS CRIANÇAS NOVAS QUE CHEGAM. TODO NATAL, FICO PERTO DAS CRIANÇAS DE ÁRVORES QUIETAS. SE DOU UMA MIGALHA PARA A CRIANÇA QUE DESCONHEÇO, A QUE ME PEDE ALGO NA RUA, ESTA MIGALHA NÃO É NADA ALÉM DE UMA LEMBRANÇA DE QUE ESTOU ALI TAMBÉM, NA HISTÓRIA DA CRIANÇA QUE PEDE. EU, AGORA CRESCIDA, OLHO A CRIANÇA QUE FUI, E SONHO COM ÁRVORES DIÁRIAS.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Beira

ara Nuno, do Troblogdita, em resposta a uma de suas postagens cheias de lirismo


Este espaço é uma casa. Arrumada em exibição permanente de jardins, águas e decorações. Por vezes, cobrindo com lençóis brancos os móveis, outros tempos. Localizada na estrada, em meio ao nada, feito um posto de gasolina que vende água em copinhos mas não tem troco para uma nota de cem reais. Em volta da estrada, deserto. Imensidão feia de poeira e vento. Vista de longe, parece uma casa-caixa. Nenhum esforço em sua fachada para formular um convite. Raros vizinhos para alardear sua beleza ou falta dela. Ao fechar os olhos, tenho em mim a memória exata da casa. É uma maquinaria feita para agradar. Espera apenas por ele. E isso explica o fato de haver, em todos os cantos, alusões, nobilitações sugeridas. É a casa de um homem só, a quem será dado tratamento de senhor e hóspede. Engenho dos afetos, exposição viva de um desejo. Recebê-lo, lavar seus pés cansados, acolhê-lo sobre lençóis e aromas, protegê-lo se houver sol demais ou noite demais. Louvores, cânticos, danças, prostrações ao solo. A casa estática. A serva espera. A amante enlouquece.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Distância

O que pesa
são os pensamentos, indomados.
Em velocidade,
as idéias acumuladas, imprensadas num espaço pequeno,
estudantes empilhados num quartinho.


O que salva
são os pensamentos, indistintos.
Em uníssono, 
a legião de bençãos para as novidades,
crianças descalças, no gramado.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Fadas

Nasce uma pessoa pequena. Pequenos braços, pequenos pés, olhos pequeninos. E então, ágeis e flutuantes, chegam as fadas. De onde elas vêm? Quem avisa a elas que uma pessoa pequena nasceu? Chegam. Examinam a pessoa nova. Concentradas, em transe, assistem ao filme que aquela pessoa vai viver. E de posse de suas varinhas mágicas, de seus ditos mágicos, de suas alegrias desmedidas, confiantes no milagre, abençoam. E pedem a Deus que proteja a todos: fadas, animais, florestas, águas, pessoas que nascem pequenas.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Novembro

Reviravolta. Um dia de cor estranha.
Luzes indecisas.
Rumores, rumores, rumores.
Que seja azul o céu e sobrevoos.
Que seja quase dourado o brilho insistente deste sol.
E a viagem, o salto, o fim do mundo.
E haveria, nesta paisagem, endereço propício para a substância da vida?
E seria, a paisagem, substância visiva?
E o visível, ilha? Perdição? Desencontro?
A memória de uma chuva definitiva, meteoros enormes e incandescentes, animais gigantes e pretéritos.
Animais que migram para a casa dos sonhos?
Pelo caminho, o talismã multiplicado, a miragem contida nos espelhos.
Um andarilho pensa o mundo que passou. Rememora os rugidos, rememora os gritos, rememora a combustão bélica.
A viagem germinal, a viagem temerária, o medo detalhado, a finíssima inquietação de um andarilho que pensa, rememora e parte.


Ontem

Ontem, meu amor, apenas ontem, existiu nosso amor. Ontem, era verdadeiro. Fazia festas, chamava os vizinhos e anunciava nos classificados. Ontem, o amor pediu pizza e vimos um filme romântico pela metade. Ontem, passeamos na praia, no final da tarde, olhando o óbvio cenário das paisagens óbvias. Ontem, o amor fazia o coração saltar e isto era vida. Não quero acordar. Que seja ontem, todos os dias. Quero viver todos os dias de ontem, quando o amor me acordou e eu estava lúcida.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sábado

Agora
já é tarde
e acordei sem saber que quarto é esse,
o meu quarto de sempre.

Agora 
é cedo demais
para pegar a estrada
pois acabou a temporada de fugas
e há uma pilha de louças para lavar.

Agora
nem sei que horas são
dormi de tarde
acordei de ressaca
nao vi o dia passar e 
quero desviar meu corpo
do espetáculo desta noite.

Se eu gritar
os vizinhos vão ouvir
vão bater na porta
e talvez me levem 
para o hospital
para o hospício
para a rodoviária
para o aeroporto
ou para o IML.


Será melhor, então,
andar pela casa sem sapatos
relembrar o passado sem fazer alarde
rever as fotos sem esboçar um gesto sequer.


Fazer desta casa uma cela,
montar dentro da sala uma ilha,
usar o quarto para um playground precário
onde eu possa, pelo menos,
lembrar da alegria de pular na cama dos meus pais,
quando eu era criança
e não sabia que viver doía.