quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Anotações no caderno de Lídia



Então, foi logo depois de quase vinte minutos de uma conversa na internet, em que as últimas palavras eram de excitação mútua, que eu anotei rapidamente o seu telefone celular e tomei um banho muito rápido, e encontrei tempo para a maquiagem, lingerie descombinada, sandália alta mas sem o salto fino do filme pornô, e dinheiro vivo caso o motel barato não aceitasse cartão, e as camisinhas que você perguntou se eu tinha e eu achei muito moderno ter camisinhas na carteira e quase que admitia que elas estavam ali há muito tempo, e na hora h, tive que mentir pro pessoal de casa dizendo que iria sair às pressas porque precisava pagar uma conta no banco e era o último dia para pagar sem juros, e achei que o perfume francês estava exagerado e onde está o outro brinco e vou com um brinco apenas e tem gente que diz que isto está na moda e a calcinha da lingerie sensual está pegando na bunda e me incomoda e levo a mão para trás da saia e tento ajeitar, não posso esquecer o rádio do carro, talvez eu pegue trânsito e imagino que você esteja tomando o banho, já saindo de casa, estarei atrasada, onde é mesmo que devo parar o carro.
O trânsito está péssimo e ele vai ficar puto, as últimas coisas que ele escreveu diziam que não era para ter erro, que ele estaria lá me esperando e que o hotelzinho ao lado da casa dele era bem ruinzinho, desses hoteizinhos que ele adorava, que tinham estilo duvidoso, fuleiros e abafados e eu perguntei se era muito fuleiro e muito abafado, eu pensava no calor da cidade, vésperas de um verão escaldante, e ele me disse não muito abafado, porque pelo menos higiene tinha que ter e quando eu cheguei, eu errei o caminho e ao estacionar quase quebrei o retrovisor do outro carro e ele não estava no lugar combinado eu desci do carro e não sabia bem qual era a cara dele. A foto do jornal era antiga, eu acho, e passou um cara com a blusa branca quase impecável e cabelos ainda úmidos, e eu pensei é ele mas vou fingir que não vi porque quero que ele me encontre e quero fingir que estou tranqüila e ele ligou para meu celular perguntando aonde eu estava e fiquei de costas dizendo que estava no shopinzinho e cadê ele e ele me disse estou chegando, me espera e um minuto depois afinal estávamos um de frente para o outro e agimos como se não houvesse afeto nenhum, como duas pessoas descoladas e livres, nós dois, os descompromissados, prontos para uma foda bem rápida e sem complicações e levamos o carro até o hotelzinho barato mas higiênico e ele pediu o quarto mais barato e o cara disse que por aquele preço não tinha direito a garagem e ele teve que ceder e ficamos no quarto classic, por causa da garagem e subimos aquela escadinha sem vergonha e ao entrar no quarto ouvi um galo cantando, e ele disse que morava ali por mais de vinte anos e estava acostumado com o galo cantando fora de hora e eu sentei na cama e ele andou um pouco como quem procura apoio nos móveis e eu fui colocar minha bolsa no sofázinho vagabundo e ele me pegou e me apertou contra a parede querendo mostrar que era muito bem resolvido e podia me foder ali na parede mesmo, quase que com violência mas acontece que a calça jeans não ajudou e a camisa dele tinha vários botões para atrapalhar e as lições de cena de cinema não funcionaram nessa hora mas eu percebi que ele queria ser chupado, queria mostrar que era o macho naquela hora e eu deveria fazer o papel de escrava quase puta e ajoelhei para chupar o pau dele sem nenhum tesão a mais, na verdade o tesão estava indo embora porque a voz dele era esganiçada mas chupei o pau dele sem problemas porque era um pau bonito e estava limpo e além do mais cheirava bem mas quando ele puxou meu cabelo e eu levantei o rosto e o corpo e ele me beijou eu fiquei excitada de novo e vi que ele tinha dentes lindos e um hálito muito bom e beijava bem demais e por mim eu ficaria beijando ele a tarde toda mas o tempo era curto e a aventura era essa mesma, sexo no primeiro encontro não planejado e super rápido sem complicações e sem compromisso e ele pediu pra eu gemer e eu não pude fingir porque fingir orgasmo está fora de questão ele gozou com a ajuda da minha boca a camisinha atrapalhou um pouco a perfomance dele e no fundo percebi que ele estava cansado de tudo, de tanta cobrança, das chateações do trabalho e da namorada e da ex-mulher e eu também e como era meu costume para brincar enquanto ele fumava o cigarro perguntei o signo dele e ele me disse peixes e eu disse que só faltava ser no dia 10 de março e ele disse que sim, seu aniversário era no dia 10 de março e perguntou se eu era pisciana também porque isso seria uma coincidência e eu disse surpresa que isso era quase um milagre porque meu aniversario era no dia 10 de março e fiquei comovida olhando para aqueles olhinhos tristes e azuis e nisso o telefone tocou e o cara disse que ele podia sim pagar com cartão de débito e tivemos que sair porque a namorada dele já estava ligando há alguns minutos ele pediu desculpas e me disse que não iria atender e descemos a escada torta e na hora de entrar no carro de repente ele pôs uns olhos grandes sobre mim e ele me agarrou sem força e sem pressa e me deu apenas um beijo tão demorado tão contrário àquela pressa toda de antes e entramos no carro em silêncio eu dirigindo naquele trânsito infernal enquanto ele segurava minha mão direita e deixei ele perto do banco onde ele ia fazer um saque e ele me disse com fingida displicência que se desse tempo me ligaria como quem diz olha sou descolado e descomplicado como você e se não quiser não vou ligar e eu disse ok, como quem diz sou descolada e descomplicada e se você não ligar tudo bem e ele se lembrou que eu iria viajar a trabalho e me desejou boa sorte. Cheguei em casa desejando outra vez o hotelzinho fuleiro e mais meia hora de sexo horrível com aquele homem bonito que já havia deixado nove mensagens no meu celular enquanto eu atravessava a cidade.

11 comentários:

Roney Maurício disse...

Bravo!

O melhor da série, ainda que apenas no formato de "anotações"...

Anônimo disse...

Cara, faz tempo que eu não tenho tanto prazer em ler, como estou tendo em ler vc.

Vanessa Anacleto disse...

Ei, bom conto. Depois eu volto pra ler mais.

Abraço

leve solto disse...

Muito bom... fantasia? realidade? apenas um conto?

Não importa!

bj

Eliana Mara Chiossi disse...

RM


amorzin das montanhas e assessor para
temas eróticos, Lídia é uma incógnita para mim. Sempre me surpreende!


Carlos: grata pela presença, volte sempre e saber desse prazer em me ler
é um prazer!


Maroca,

é tudo isso: um conto cheio de ficção e realidade!
Adoro você por aqui!


Vanessa,

volte mesmo, volte logo... beijos.


Olhar meu: adorei ter feito você rir e gostei demais da tua análise porque mostrou que mesmo de forma elíptica o clima do conto está ali, dá para ler esse tanto de sentimento/afeto/carência desses dois.

Verbo Feminino disse...

Ah, garota!!!

Filó adora a Lídia! rsrsrs

Passei pra dar um alô, sei que estás em Xique-xique, inda falando de Mia Couto e Guimarães, êta paulista-baiana cabra da peste!

Grande beijo, conto os dias pra janeiro...

leve solto disse...

Lá em casa tem post novo esperando por vc... aliás seu nome está no texto...rs

bj

Professora Wanessa Guima disse...

Palmas... ótimo conto. Tem um pouco de todas as mulheres nele. Tem Wanessa nessas linhas...

Anônimo disse...

Lídia separou-se de Ricardo Reis?
Cansou de sentar-se com ele à beira do rio?
Ou ele tá cheio de chifres vendo as águas correrem?

Não importa, a Lídia pós-Ricardo Reis é simplesmente de-li-ci-o-sa!!!

Frida Cores disse...

oi querida! adorei seu comentário lá no blog. Principalmente pq é meu primeiro escrito e vc colocou lá "impecável".rs. Assim que eu sair desse estado de extase leio Lydia. um cheiro!

Eliana Mara Chiossi disse...

Livia, finalmente alguém descobriu este segredo. Sabia que algumas pessoas reivindicavam a identidade de Lídia, como se fosse real?
Como se fosse possível isso por aqui...
Os jogos entre ficção e realidade me interessam mais...
Adorei teu comentário e estou rindo ainda!
Beijos