domingo, 20 de abril de 2008

Impressionante

Uma tela, quase folha, de vidro preparada, une nossas mãos intocadas. Tela cega. Olhamos uma para a outra. Não nos vemos. Tateamos a sutileza desse desencontro. Um passo dado por esta mulher vestida de roupa clara e gestos ensaiados. O giro da cabeça, simulando charme, ilumina a palidez dela, cabelos arrastando pelo chão, a cobrir uma nudez sem graça e sem exultação. Mulheres quebradas. Um rol imenso de silêncios. As pontes fazendo travessias ágeis. Eu sonho sua desventura. O que me desperta é o seu pesadelo. Fecho os olhos. E mesmo dentro, no cenário íntimo, território quase abandonado, ainda vejo seu corpo tropeçando, vejo os fantasmas que a seguem. Vejo as vozes inquietas, desafiando os desejos que ela pronuncia, sem convicção. De repente, surgem corredores higiênicos. Um asfalto liso que a rotina constrói. Sapos, besouros, ratos e toda a imundície preservada. O quadro desfocado. A vanguarda atravessando seu ideal falhado. Não, nós não somos habitantes dos quadros de Renoir. Não temos direito ao piquenique estático. Saímos do quadro, dançarinas de Lautrec, e fomos paridas ao meio, seres desconexos, sem dança, sem ombro, sem alianças.

7 comentários:

Vee disse...

A linguagem do Mundo tem sido um dos lugares mais áridos pra mim, no entanto, nunca deixa de ser um pássaro cheio de estilo!

Beijos!

Eliana Mara Chiossi disse...

Amèlie, querida,

grata por sua visita, afinal tão rara por aqui.
Sobre a aridez, no mundo e na linguagem, eu diria que a vida tem sido um dos lugares mais áridos pra mim.
E quanto aos pássaros, afinal, não seriam eles sempre, seres cheios de estilo?

Beijos

Patty Diphusa disse...

Oi Eliana

Impressionante. O nome é perfeito.
Vida árida? Muito. Mas a minha maior luta é para não ficar tão árida quanto ela. Nem sempre venço essa batalha.

Bjs, adoro seu espaço.

Eliana Mara Chiossi disse...

Pathy, do coração e de certas regiões da alma,

é difícil reescrever os textos que posto aqui.
Sigo uma regra e tento mantê-la com respeito aos que aqui passam, além de ter estabelecido para mim este desafio. Mas há ainda tanto que eu quero dizer sobre nós... Mulheres que fomos de alguma forma apartadas, que perdemos de alguma forma a conexão com nossa força reunida. Lembro de Brumas de Avalon e idealizo um momento desses, em que eu olhe para os olhos de uma mulher e permita que ela seja, de fato, alvo de minha paixão e compaixão, alvo de meu afeto, alvo de uma abertura que permita nosso encontro, no que somos feitas de terra e água, de escuridões, jeitos de corpo, dessassegos.
Ai, a vida mostra seus dentes pra mim, diariamente, e não me entendo nem entendo as pessoas. De que regiões do nada viemos? Afinal, estes vazios, estes dias de bruma, nos preparam para algo que virá, haverá um livro com respostas ou tudo é apenas isso, deambular pela vida, nos instantes que nos designam, sem saber, sem sequer tocar o conhecimento de algo que nem podemos nomear?


Enfim, fim de feriado e esperança de que amanhã sejamos tolerantes.


beijos e reafirmo minha alegria com sua presença...

Eliana Mara Chiossi disse...

ai, errata:

"jeitos de corpo, desassossegos"

(palavra com S demais)

bjs

Anônimo disse...

POdemos ser tintas, não é??? De qualquer vanguarda. De algum ideal...e que possa não falhar.
Preciso de motivos. Preciso conseguir acreditar nos motivos.


'Xêrinhos', flor.

Patty Diphusa disse...

Ai que saudades do tempo que tínhamos a conexão com a nossa força, que isso nos deixava poderosas frente a vida e ao nosso destino. Saudades do tempo que eu sabia que meu pensamento me levaria onde eu quisesse. E me traria quem eu quisesse. Onde eu perdi essa chave? Eu a quero de voooooolta.


Bjs, querida.