sábado, 10 de julho de 2010

A correnteza no asfalto

A chuva insistia. Ele pegou as chaves. Trancou o apartamento e se esqueceu de fechar as janelas. Louças na pia, cama desarrumada, gavetas abertas, a tevê ainda ligada. Difícil controlar a raiva. Quase quebrou o câmbio e amaldiçoou o carro velho. Colocou a mesma música de sempre, há dias ouvindo a mesma música. Detestava fumar mas era preciso. Sabia que o carro ficaria ainda mais fedido. Levou uma fechada no trânsito e gritou bem alto: puta que pariu, seu corno filho da puta, vai tomar no cu. Por sorte o sinal abriu, tinha medo dos brutamontes fazendeiros com aqueles carros enormes. Acelerou mais ainda. Pensou nas multas e disse: foda-se! Não queria ir. Não queria. De jeito nenhum. Anos de terapia para chegar naquele momento e se cagar de medo? Medo de quem? Estacionou o carro velho, ajeitou o paletó retirando restos de cinza do cigarro. A ansiedade era visível. Sentia o estômago queimando. Tentou respirar devagar e não adiantou. Maldita hora em que resolvou atender o telefone.


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P.S: Não, não leia!

2 comentários:

Mauro disse...

P.S. 2: Já li.

Lidi disse...

"Medo de quem?" Pois é, fiquei curiosa. Mas é isso que é bom em minicontos que são, na verdade, argumentos não desenvolvidos, pois os leitores tornam-se co-autores das histórias. São tantos os medos que nos afligem... é só colocar a imaginação para funcionar. Beijo, Eliana.