sexta-feira, 7 de maio de 2010

Drops 5

Naquele lugar e naquele tempo, muito atrás dos tempos e dos lugares dos quais ouvimos falar hoje, havia mães muito semelhantes. Toda noite, amedrontadas com a chegada da lua, mandavam as filhas dormirem, bem protegidas, em cavernas finamente decoradas. Muitas meninas gritavam no meio da noite, assustadas com dezenas de imagens disformes, répteis que se agigantavam pelas paredes, sombras que dançavam de um modo monstruoso. Não era nada fácil enfrentar as noites e os pesadelos. Entre elas, havia uma menina desenhista. Tudo que via, refazia em traços vivos e detalhados. Mas ela sabia do medo que reinava no coração das mães. E por precaução, nao mostrava seus desenhos a ninguém. Em segredo, aprendeu uma técnica para se proteger. Inventava um sonho para cada noite. Para memorizar melhor, o sonho era desenhado. E ao dormir, repassava em silêncio, todas as formas do sonho, incluindo sons e aromas. Acontece que a cada noite, o sonho que ela sonhava era diferente do sonho desenhado. E este sonho renovado, alimentava ainda mais suas idéias. Percebeu que poderia cantar, contar histórias de outras vidas, impensáveis, inexistentes. E era tão prazerosa a construção destes sonhos, que a menina percebeu que estava criando um mundo novo. Parou de falar com as amigas e irmãs. Parou de ouvir os medos das mães. Ninguém mais se aproximava dela, e assustados, dia após dia, decidiram que ela teria a sua própria caverna, para que não contaminasse as outras. Ninguém sabia o que havia dentro de seus olhos, mas todos tinham certeza de que ela era demoníaca. A menina foi isolada e de posse de paredes íntimas, que só a ela pertenciam, começou o mural onde gravou a existência de mundos inexplicáveis. E envelheceu, bem acompanhada, de seres dóceis, sorridentes, cantores, dançarinos, vegetarianos, saltitantes, lunáticos, contorcionistas. De todas as criaturas que a menina criou, uma se destacava: o homem alto, tão alto, tão alto, que vestia um chapéu de nuvens.

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