quarta-feira, 7 de abril de 2010

ÔNIBUS

Se um ônibus pesado e em alta velocidade
Alcançasse seu corpo agora
Eu iria preparar o melhor luto
Feito de veludo e pérolas.
Seu corpo estaria em pedaços
Efeitos da violência composta por velocidade e peso
Eu iria pensar com humor, na propaganda
Da cola infalível, que recupera objetos quebrados
Diante do caixão, seu sorriso distante
Obtido com excelente maquiador
Encerraria minhas dúvidas
Sobre sua inutilidade
Eu consolaria o motorista
Que compareceu ao velório com remorsos
E diria que houve uma lógica
Higiênica e saneadora
Mesmo que ele não me entendesse
Eu o abraçaria elogiando o trabalho.
Talvez alguém da família
Ao me ouvir agradecendo
Pelo bom trabalho do motorista
Diria a outra pessoa ao lado
Que eu estava fora de mim, com meus nervos alterados
Eu iria fumar meu cigarro, lânguida e transparente
Lá fora, enquanto a chuva caía bem fina, na madrugada
Minha lucidez recuperada
Até que no final de todo o ritual cansativo
Despida do veludo e das pérolas
Eu, enfim, jogaria sobre mim mesma
Terra, flores, pedras e eternas saudades.

Um comentário:

Nilson disse...

Dois belos poemas, esse e o anterior. Dia fértil, hoje!