sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Águas passadas

Em trânsito, você perde a casa. Disposta aos movimentos, aceita as águas que passam e entra em rios agradáveis. O Tejo entrou pelos meus cabelos. Fez um redemoinho na memória. E outros rios invisíveis pedem meus pés e meus ruídos. Quero ser cidadã sem pátria, mas tenho um coração caseiro, desses que pedem logo colo e cumprimentos. Quero que me digam bom dia e que pensem em mim na hora das orações. Os sabores novos me divertem: em roupas, brincos, anéis, comidas, vinhos, homens, belezas arquitetônicas. E sempre desejo o conforto do sabor igual, minha tradução. O mesmo prato, a bebida preferida, o travesseiro ajeitado, os sons festivos da cachorra que vive comigo e uns braços amorosos do homem que ainda nem existe mas que já me pertence. Estranho sentimento esse, água tão cristalina, água convicta: sou mesmo uma mulher sozinha. E apesar disso, sei fazer companhia. Este é o refrão dessa noite, a primeira de algum descanso: o homem que me pertence, dono de uns braços amorosos, não existe. Portugal me ocupa, Portugal me ensina, Portugal grita comigo. Toda terra estrangeira dispõe sequência infinita de espelhos de mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Peraí, Elianinha,
e se esse homem existir? E se, pior ainda, morar em Portugal? E, pior dos piores, se for o pior do mundo?

Recuso-me sequer a pensar sobre as terríveis consequências...

(rssssssss, desculpe baianinha. Não resisti a mais essa gozação com o nosso amigo portuga...)