sábado, 21 de junho de 2008

Caixinha de verdes

Imaginar nosso passado como os limites retangulares deste apartamento. Nosso passado, restrito a uma planta baixa e definida. O apartamento tem um perimetro limitado e fixo. Exceto por uma catástrofe ou alguma provocação de ruína, dessas que trabalham devagar e sorrateiras, como a umidade, avanço dos ratos ou das traças, a não ser por isso tudo que pode destruir um apartamento, ele sempre mantém suas medidas e ângulos. Dentro do apartamento, sem floresta nem jardim nem parques, construir uma horta portátil. Nos limites de um retângulo, trazer terra, construindo outro mapa. Nesta porção de território, com o apoio de água e sementes, expor novas vidas ao sol, ainda que seja esta réstia diária, que chega através da janela ínfima. Acompanhar, diariamente, o surgimento tímido de um ensaio verde, um broto, a primeira roupa que esta semente veste. A semente ainda de olhos fechados, ainda se espreguiçando, estranhando a mágica de florescer neste mundo tão pequeno. Fazer assim, com nosso amor. Que resida, dentro do passado, confinado neste apartamento sem novidades, um mundo à parte e sob controle. Dia a dia, remexer, limpar, proteger, retirar as ervas daninhas, fazer um relatório detalhado de acontecimentos. Temperar e dosar a exposição ao sol, conversar com as pequenas manifestações das hortaliças, tratá-las como jóias. E ainda que sejam preciosas, não negociar sua venda, não tratá-las como mercadorias. Nosso amor, essa horta de crianças, nossa brincadeira de, sendo deuses, controlar os acontecimentos, para que não murchem nem ressequem nem agridam.

3 comentários:

Ana Cristina disse...

Desculpe entrar em sua casa sem pedir licença! Pronto, já pedi! (rss). Foi através do blog de Maria Elisabeth que encontrei o seu. Procuro mulheres especiais, que tenham esse dom da escrita, como vocês (ainda vou escrever um livro sobre isso). Amei seus escritos e os dela (chega a me arrepiar, de tão bons que são). Você é uma grande escritora! Parabéns!

Eliana Mara Chiossi disse...

Ivone,


de alguma forma esta "casa" tem sempre portas abertas.
E você é bem vinda...
Muito bom saber de seu interesse por escritas de mulheres. É um afago, um carinho, ler seus elogios.
E espero receber sua visita outra vez.
Um abraço.

Anônimo disse...

Para que alimentem nossa vida. Fria de parede e portas.


Eliana, flor. Um lindo dia pra vc. Muito amor em cada emoção que vc tiver.
beijos