sábado, 5 de abril de 2008

Planalto

O asfalto seco não diz que deixou de haver chuvas. A frase do asfalto, reluzido e desidratado, é uma evocação pretérita. Trilha de histórias. Horizontalidade em que aparecem expostos contos fáceis, falas enganosas e alguns gritos. A sintaxe deste asfalto obedece ao ciclo do meu íntimo. Naquilo que é caminho e fuga. Asfalto visitado pelos pássaros. Asfalto tatuado de memória. O asfalto liso não pode enganar. A percepção táctil do asfalto são as mãos lidas pela cartomante. Meu futuro na voz da cartomante, de dentes amarelados e cheiro de cigarro. A cartomante dita meu destino, enquanto se distrai perseguindo um inseto. Os olhos da cartomante metem medo. E nos olhos dela eu vejo partes do meu destino. E vejo você, ao longe.

4 comentários:

Vee disse...

Me deu uns 5 minutos, Li e muitos insights, não resisti...

HAMLET observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.
- Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
- Errou! interrompeu Camilo, rindo.
- Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...
- Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.
- Onde é a casa?
- Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
Camilo riu outra vez:
- Tu crês deveras nessas cousas? perguntou-lhe.
Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.
Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.


Li, beijos muitos!

Anônimo disse...

"Não basta só ler mão, tem que ver a alma..." (??)

Olá, meu bem.
Te enviei um email, vc recebeu? =)
Beijos e boa semana!

Eliana Mara Chiossi disse...

Amèlie:

teu retorno ao Mundo já é motivo para muita alegria.
E isso de "me deu uns cinco minutos e muitos insights" eu adorei...
Sabe, tenho obsessão pelos oráculos e cartomantes. Queria poder escrever a vida de uma delas.
E ainda espero nosso projeto de escrita... Para o qual espero conhecer seus cinco minutos e muitos insights.
Conheci uns meninos bons demais lá em BH, que fazem poesia e perfomances. Bons encontros e depois te conto.

Beijinhos, também, muitos.

Eliana Mara Chiossi disse...

Celine, ainda não recebi.... Cheguei de Bh ontem, em fiapinhos...(horas de aeroporto e algumas turbulências)...

Beijos