sexta-feira, 11 de abril de 2008

Organização

Parece que vou morrer. Acordo no meio da madrugada. A cabeça dói e os olhos estão enormes. A constatação de que vou morrer me iguala a todas as outras pessoas que estão vivas. É preciso que eu seja mais específica ao dizer que vou morrer. Proponho-me a organizar papéis e penso em dividir meus livros. Que farão com os meus livros? Há algum dinheiro guardado e eu preciso deixar avisado que, em caso de morte súbita, se o nódulo que habita meu cérebro decidir entrar em erupção, diário vulcão que reside em mim, quero destinar uma parte do dinheiro guardado para uma ou duas pessoas específicas. Não gosto da idéia de morrer deixando calcinhas para lavar. Há livros que não devolvi. Preciso anistiar pessoas que não devolveram livros que emprestei. Há pessoas que me devem dinheiro. E também aquelas que me devem desculpas. Não gosto da idéia de estar exposta num caixão coberta de flores. É uma sensação ruim, agora que estou viva, e prefiro não passar por isso quando estiver morta. Sem dúvida nenhuma, cremação é mais romântico e mais higiênico. Parece que vou morrer e a dor que me retira da cama às quatro horas da manhã confirma a proximidade de uma crise. Verifico que dormi de pijama. Se meu filho acordar com algum ruído ou grito, e chamar algum amigo ou ambulância, sei que me levarão para o hospital de forma apressada. Afinal, estarei morrendo e serei tratada como um caso de emergência. Posso escolher com que roupa chegar ao hospital. Não gosto da ameaça do mau gosto. Dormir com uma camisola bonita, colocar meu perfume preferido, escolher a melhor calcinha e estar sempre com o cabelo alinhado. Tranças podem ser uma solução. Deixar ao lado do criado-mudo anotações claras, com telefones das pessoas importantes a serem avisadas. Parece que vou morrer. Preciso colocar isso na agenda diária. E tomar todas as providências.

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