terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Ninho

Algo que por conveniência eu decido chamar como Deus, escolhe, de tempos em tempos, deixar um bebê abandonado dentro de mim. Sei que é na porta da frente do coração que ele coloca o corpinho pequeno e frágil, cuja pulsação, no entanto, já demonstra tanta força. Deus faz assim. Coloca o menino no meu corpo e passo a ser, então, eu mesma e o próprio menino. Chego a vê-lo com expressão de dor. Penso que é fome. Me alimento. Olho outra vez e a expressão vira cansaço. Penso que é preciso dormir. Saio a procura de água. Não é sede, não é sono. O pequeno menino chora, baixinho, sem querer me incomodar. Já quando a noite é alta, acordo, angustiada, o peito apertando demais. Lá está o menino, todo agarrado sobre si mesmo, sofrendo, dolorido. O menino que Deus me dá é o amor que me visita. Este hóspede que não pede não sei bem o quê, vive em mim mostrando seu vazio de ânsias, de desejos desencontrados, de esquecimentos de si mesmo. Ele tem olhos vagos, uma pressa sem destino. Quando mora em mim, o amor, menino, me desacerta de ser pessoa.

Nenhum comentário: