Ela vestiu aquele, o amarelo florido. Presente de aniversário. Pérolas. Escarpin.
Saiu de casa, tomando ares de boa moça, lembrando sempre do saldo da conta bancária.
A indenização por anos de tortura permitiu-lhe um visual novo, decidido, comprado. Design barato, de afetação e quase escâdalo. Restos de um curso de ballet nunca terminado, as leituras inumeráveis nos consultórios.
Hoje, ela queria ser frívola. Dia de marcar o compasso da futilidade nos saltos altos. Estranho usar uma cor de rosa nos pés. No ar condicionado e fictício do shopping, estaria livre do suor e nenhum vento ameaçaria o arranjo óbvio dos cabelos. A joalheria reluzia. Os funcionários se exibiam, na grotesca submissão de cachorros. O valor das peças dava a eles uma capa de verniz e valor. Ostentando as cifras, coreografando o andar, para não cair, sentou sem pressa. Uma água? Um café? Deseja alguma peça em especial? Que belo vestido e uma fieira de frases de cão, até que lhe deu vontade de dizer: retira meus sapatos e lave os meus pés. Olhou distraída, véspera de um assassinato de algo. Resoluta: a peça mais cara. Desculpe, pode me explicar melhor. Não, o problema é seu. Surdez? Debilidade? Passou a escandir cada sílaba, entre dentes: quero a peça mais cara. Mas, senhora, seria um anel, um colar? Grito quase surdo. Prefiro falar com pessoa mais preparada. Quer que eu repita. Traga, agora, a peça cuja etiqueta tem o valor mais alto. Entende? Mais zeros, mais casas decimais, mais números. Espera outra deixa, ensaiou outro texto, perdeu-se. Olharam-se. Ensaiou a partida. Pensei que você trabalhava por comissão. Tenho pouco tempo. Trouxeram. Um colar. Nem viu. Embalagem para presente. Na saída, uma mulher, como ela, ares de cansaço, desistindo. Recebeu o presente. Os da joalheria, pasmos. Cheios de óhs, donos de uma história que iriam contar para os netos. Ou não. Pensamentos voavam. Leveza.
Saiu de casa, tomando ares de boa moça, lembrando sempre do saldo da conta bancária.
A indenização por anos de tortura permitiu-lhe um visual novo, decidido, comprado. Design barato, de afetação e quase escâdalo. Restos de um curso de ballet nunca terminado, as leituras inumeráveis nos consultórios.
Hoje, ela queria ser frívola. Dia de marcar o compasso da futilidade nos saltos altos. Estranho usar uma cor de rosa nos pés. No ar condicionado e fictício do shopping, estaria livre do suor e nenhum vento ameaçaria o arranjo óbvio dos cabelos. A joalheria reluzia. Os funcionários se exibiam, na grotesca submissão de cachorros. O valor das peças dava a eles uma capa de verniz e valor. Ostentando as cifras, coreografando o andar, para não cair, sentou sem pressa. Uma água? Um café? Deseja alguma peça em especial? Que belo vestido e uma fieira de frases de cão, até que lhe deu vontade de dizer: retira meus sapatos e lave os meus pés. Olhou distraída, véspera de um assassinato de algo. Resoluta: a peça mais cara. Desculpe, pode me explicar melhor. Não, o problema é seu. Surdez? Debilidade? Passou a escandir cada sílaba, entre dentes: quero a peça mais cara. Mas, senhora, seria um anel, um colar? Grito quase surdo. Prefiro falar com pessoa mais preparada. Quer que eu repita. Traga, agora, a peça cuja etiqueta tem o valor mais alto. Entende? Mais zeros, mais casas decimais, mais números. Espera outra deixa, ensaiou outro texto, perdeu-se. Olharam-se. Ensaiou a partida. Pensei que você trabalhava por comissão. Tenho pouco tempo. Trouxeram. Um colar. Nem viu. Embalagem para presente. Na saída, uma mulher, como ela, ares de cansaço, desistindo. Recebeu o presente. Os da joalheria, pasmos. Cheios de óhs, donos de uma história que iriam contar para os netos. Ou não. Pensamentos voavam. Leveza.
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