sábado, 3 de novembro de 2007

Aeroporto

Quando você não me liga no sábado, e sua carta não chega na segunda-feira, a semana toda estragada, desanda porque seu email é curto e apressado. Quinta-feira, você manda uma mensagem cifrada, e sexta-feira, o expediente acaba mais cedo e seu computador fica mudo. Já é dezembro por aqui, as árvores de Natal estão sendo desmontadas em janeiro, e julho é um mês de muita chuva. Estou no aeroporto e nem me incomoda o fato de não ter avisado a você que chegava hoje. Doze horas de um vôo difícil, cheio de turbulências e aeromoças artificiais. Prefiro a ameaça de um terrorista na poltrona ao lado do que a tortura de comer esse bife mal passado usando este garfo de plástico. O taxista pergunta para onde vou, depois que me ajudou a ajeitar as duas malas pequenas. Hoje é domingo, senhora, o trânsito é mais tranquilo. Ele me sugere um itinerário mais agradável por alguma avenida famosa desse começo de europa. Peço a ele que me leve a algum hotel bom e barato, sem prostitutas, sem africanos e sem baratas. Eu mesma censuro o preconceito e explico minha fantasia: o hotel portugûes que me lembro agora estava no filme Terra Estrangeira e era um hotel feio. Calculo o preço da diária, expressa em euros, e penso na data de vencimento da fatura do American Express. Exausta, com os pés inchados, peço que me acordem às nove horas. Preciso comer algo, tenho medo da cidade desconhecida. O celular está desligado. Não tenho seu número anotado. Sei de cor seu endereço. Mais de setenta e seis cartas depois, era de se esperar. Repito mentalmente o nome da rua, o número da casa, o bairro. O mesmo taxista aparece. Diz que tenho uma aparência descansada. Paro em frente a sua casa. Deixo a última carta. O mesmo taxista. O mesmo aeroporto. E isso aconteceu no ano passado.

Um comentário:

mari celma disse...

E fiquei com a impressão de te ver vivendo ciclos que se sobrepõem...será? Esse texto está divinamente bonito!