segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cômodos

Então, fechamos a porta. Ninguém nos alcança, neste quarto. Deixamos lá fora o dia e suas maquinações mágicas. A mágica da repetição variada: crianças alegres na escola, funcionários na véspera das férias, a mulher na hora do seu primeiro parto, um homem que beija a mulher amada, a feira ruidosa, em alguma sala uma festa de flores recém chegadas, o pai que abraça o filho, uma abelha feliz e uma formiga nervosa. Deixamos lá fora os papéis tão ajustados. Então, neste quarto de hotel desconhecido, quero que você me ouça. Fique em silêncio, por alguns instantes e ouça as minhas perguntas. As perguntas que me explicam, os defeitos que me fazem distinta, mulher que você escolheu quando percebeu um sorriso quase triste, uma certeza feita de abalos, os medos misturados aos gestos impulsivos. Olhe para mim, neste cômodo refratário ao barulho do dia, e acredite que também sou feita de dores suspeitas, alegrias fracas, desejos vis, e uma vã esperança de que exista vida após a morte. Não vamos repetir o manual de sempre. Não é preciso sexo agora, nem falsas promessas. É preciso que este cômodo seja reservado para nosso abraço. É preciso que estas quatro paredes regulares testemunhem a vitória, a honra e a glória do afeto. Que o abraço traduz, com perfeição.

6 comentários:

Renata (impermeável a) disse...

Oh menina, me fez emocionar agora. Estava escrevendo neste minuto sobre a extinçao do amor e do afeto.......

E leio este texto lindo e sublime!

Amei.

Eliana Mara Chiossi disse...

Renata,

então, estamos nós duas no mesmo clima.
Me amedronta um pouco perceber a fragilidade dos afetos...
Tudo precário, tudo tão fugaz...
E um abraço é sempre uma forma de chegar em casa!

Beijo.

Anônimo disse...

As últimas postagens estão tão intimistas que prefiro não comentar. Xereta que sou, não consigo desviar o olhar dos teus textos e leio e releio. Comentar não comento.
Bj

Bruno Carvalho disse...

Nada como um abraço apertado que seja como a porta de entrada, ou como a despedida que termina em um "até logo"

Belíssimo texto, professora

Um abraço,
Bruno Carvalho

ítalo puccini disse...

isso me fez pensar naquela frasezinha ali na barra lateral de teu blog: reunião: tudo o que vive está lá fora :)

no conto tudo o que vive está cá dentro mesmo.

ficou ótemo!

beijo.

Lidi disse...

Eliana, que texto! Nada melhor do que um abraço! Beijo.