quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Ilha

Não sinto na pele a ilha. Não sinto em meus ossos a ilha. Vejo águas, mas também há casas, pessoas, cachorros, ruídos e pombas. Quem trouxe este rumor de automóveis para a ilha trouxe também as pombas e as marcas do mundo. Há uma ilha em mim, que pede diariamente a proteção do quarto. Dentro do quarto, sinto medo de estar sozinha. E ainda assim, tenho medo de que alguém bata à porta. Cantoras de fado movimentam a tristeza que cultuo. Ser triste, como a cantora, vestida de preto e expondo olhos prestes ao choro. A cantora de fado fuma antes de subir ao palco. A cantora ri diante dos aplausos. Tristeza encenada vem seguida de reconhecimento. Tateio pelas ruas imprecisas, quem sabe encontro a embarcação que me leve de volta. Quero voltar a um tempo que ainda não vivi. Quero viver um tempo de mistérios. A ilha me ilude. Piso seu solo firme. Passo em frente a construções, edifícios, igrejas, monumentos. Abstraio a ameaça das águas. Esqueço a ameaça dos vulcões, ventos e excesso de calor. Em tudo que vivemos, a ameaça é a mesma: que nossa ilusão de ilha seja desmascarada pela certeza permanente das ruínas.

Nenhum comentário: