quarta-feira, 4 de junho de 2008

Me chama de Alice

Só para ver você feliz, eu posso usar a melhor letra. Uma expressão caligráfica, meu coração traçado em linhas de desenho. Nankin e filigranas. A mágica de criar o mundo, dosando o uso de luz e sombra. Erigir uma floresta, guardadas maravilhas na clareira. Vamos ao piquenique. Faço o mundo parar e a floresta interditada para maiores. Só eu e você: nossas fotografias de infância. Quando você usava óculos. Quando eu colocava flores no cabelo. Quando você tocava violão. Quando eu dançava com a saia bem comprida. Eu sei que a felicidade não existe. Para mim, os moinhos são apenas os monstrengos disfarçados. Desses que trazem doenças, desses que cometem crimes, desses que não sofrem, desses que dão tiros e não sabem abraçar. Sem acreditar que a felicidade existe, posso escrever felicidade e criar em volta da palavra uma constelação de réplicas possíveis: pequenos gozos, instantes de efêmera leveza. Por você, eu ingresso nesta igreja da felicidade. Faço de conta. Imito um sorriso. Danço uma valsa. Não creio na felicidade. Mas posso forjá-la.

3 comentários:

Maria Elisabeth disse...

No início do texto tive a impressão que você, Alice, iria dar uma de Ginógrafa e escreveria, com seus fieis fios de prata, no meu corpo a palavra felicidade...mas ao caminhar pela floresta erigida percebi a flor do seu cabelo caída no solo, a cesta de piquenique vazia e o violão sem cordas. Estava sem óculos, mas percebi o mostrengo Adamastor...e sem medo corri para a clareira e no espelho da igreja vi você sorrindo de saia comprida, dançando valsa e forjando este conto gostoso de tão leve de ler.
Alice no espelho. Ali se viu. Alice, você não dá tiro, nem sabe abraçar...você é a minha escritora predileta. Fazedora de contos de efêmeros gozos.
Um beijo de nankin na sua linda caligrafia.
Beth

Anônimo disse...

"Por você eu posso ser feliz"

Beijos, flor. Até o café!
=D

Anônimo disse...

Ei, minha querida amiga,

a "metáfora gasta", que se aplica tão bem a todas as formas de relacionamento humano, não se aplica melhor que à amizade.

Mais que nos relacionamentos amorosos (strictu sensu) e naqueles derivados de parentesco, a amizade carece ainda mais dos cuidados da jardinagem; desobrigada que está dos vínculos de dependência do sangue e da paixão.

E tal como aqueles, não raro exige gestos de renúncia, de desapego, de relevo do orgulho ferido, de doação.

Tampoco é mais fácil lidar com esse jardim do que com os outros. Também é comum ferirmos as mãos com os espinhos das frágeis plantas, mesmo das "flores que desaparecem com o sopro" ou das "folhas (que) ficam presas por um fio".

Mas o jardineiro, dignificado na profissão de ama-seca da Criação, não amaldiçoa: limpa a ferida, faz-lhe um curativo e volta ao jardim...