domingo, 4 de maio de 2008

Zabriskie point

Mito de mim, mulher impossível e tocada pelo amor. O sangue flamejante é seu delírio. Perdida na estrada e seus desertos. Direito ao grito, espaço para vôos e danças. Agora é tarde demais. Nosso vício maior é feito de coisas, ou imagens de coisas. As plantas têm cores demais. Os rios têm sonhos demais. O céu tem cenas demais. Você já não ouve bem e falo agora em outras línguas. A sintaxe desperdiçada. O léxico é uma cesta de piquenique, para crianças gulosas. Estas crianças, nós que escrevemos, deixamos, sobre a toalha quadriculada, os restos de frutas, restos de carne, restos de líquidos. Saltamos sobre a toalha e seus vermelhos. Saltamos sobre a toalha, fogueira avermelhada e partimos. Nesta corrida, pisamos na grama, pisamos no jardim, pisamos no bebê adormecido nesta relva. No ponto mais quente da terra, raspando de leve a beira do cânion, dou a você uma porção de verdades. Relembro o quadro movediço: a explosão das geladeiras. O desfile desconexo de nossas inutilidades: vestidos, maçãs mordidas, celulares, grampos, fios de cabelo, cigarro apagado, cédulas, cartas rasgadas, cachecóis, escultura, coisas azuis, fraldas, sentenças, óculos, evidências do crime, escova de dentes, iogurte, bolsas caríssimas, facas, restos de vozes, pão amanhecido, postais, chaves, microondas, bóia de plástico amarelo, porta de um carro, lápide, cinzas, camas variadas, cartazes, camisetas, lenços, aviões e pistas sem fim.

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