quinta-feira, 13 de março de 2008

Piedade

Se eu amasse Hitler, eu seria uma santa. Teria, para meu pobre ditador, colo, perdão e sopa quente. Se eu amasse Hitler, arranjaria um jeito de ser surda. E falaria com ele apenas de assuntos banais como a textura do morango e a beleza dos cristais. Para evitar pesadelos e higienizar a memória dos relatos do horror que meu amado praticava, eu iria me transformar, pouco a pouco, numa estátua, pedra dura e condensada. No dia último de ser gente, morte tantas vezes desejada, teria na expressão do meu rosto, prévio monumento, a gravação terrível da certeza de que, ainda sendo hitler, aquele homenzinho odioso era meu filho e era humano.

6 comentários:

r a c h e l disse...

Pra gente parar pra pensar. Como o amor, só é amor, se não for medido. Mas não sem dar umas puxadinhas de orelha, né?

Bela poesia.

Anônimo disse...

Se...

Você não seria capaz de amar um homem assim.

Anônimo disse...

Sou obrigado a concordar, o que é sempre um prazer, com o Mr Almost.

Eva Braun (não sei se é assim que se escreve) não parece ter sido uma santa. Ao contrário, como falava a música do Chico e do Gil ("Cálice"), parece mais ter sido "a outra".

Creio, e apenas creio, ter entendido o sentido do texto: o limite sem-limite do "verdadeiro" amor, como o materno. Mas como fechar os olhos para os crimes? E crimes hediondos, contra a humanidade, contra o amor, enfim.

Duvido muito que um coração poético como o seu pudesse se perder dessa forma...

Eliana Mara Chiossi disse...

Então, talvez, a postagem Piedade, seja um texto não resolvido.
Mas gostaria de esclarecer, compensando a fraquez do texto.
Todas as postagens neste blog são ficcionais, ainda que muitas vezes sejam motivadas ou provocadas por acontecimentos vividos. O que aqui escrevo passa por um filtro ficcional, e esta é uma decisão que me impede muitas vezes de colocar postagens aos amigos ou postar comentários sobre fatos acontecidos.
Sendo ficção, o texto Piedade começa com a “narradora” estabelecendo uma condição. E o texto começa claramente com a partícula que estabelece este protocolo: se. Portanto, logo de início, o texto que é ficcional , portanto não é um reflexo direto do que Eliana Mara pensa ou declara, é também um raciocínio de imaginação. Mais adiante, na mesma frase inicial, a narradora declara que: se amasse Hitler, seria uma santa. Portanto, logo de início, a situação atinge um patamar fora dos parâmetros de realidade. Além disso, fica claro que só seria possível amar alguém como Hitler sendo uma santa. Portanto, impossível para um ser humano fazê-lo. O título faz uma alusão a Pietá, a escultura de Michelangelo e ao escrever a postagem, imaginei mesmo uma santa acolhendo em seus braços não Jesus, figura muito fácil de ser acolhida (se bem que na sua época foi até cruficificado e Hitler nem existia ainda). A Santa Maria, mãe de todos, que supostamente intercede por todos os humanos, na sua infinita misericórida, estaria acolhendo o menino Hitler, o filho Hitler, também o autor de crimes hediondos, inclassificáveis na crueldade. Seguindo ainda outra referência intertextual, o episódio na Bíblia que relata a história de Ló e sua mulher, que por ter desobedecido e olhado para trás, se transformou numa estátua de sal. Esta narradora, enquanto mãe de Hitler, não suporta ouvir os relatos, e prefere a surdez, mas tem a memória dos horror praticado pelo filho e pede a morte. Mas seu amor, seu convívio com este filho, não a liberta da responsabilidade e a memória dos atos hediondos a contamina de tal modo, que não tem direito a uma morte humana, ela que amando este filho, só poderia fazê-lo sendo santa, e tem uma morte maldita: se transforma em pedra, fadada a exibir para sempre, como registro e alerta, sua expressão de assombro diante do mal que o filho praticou. E o que fazer com este homem, que é também seu filho e é também humano?
Então, escrevi este texto gigantesco para um comentário, porque esta postagem trata de um tema tabu e apesar de ter gostado muito da parte em que vocês dizem que eu jamais amaria Hitler, confesso, que, como minha narradora, talvez se eu fosse santa...

Eliana Mara Chiossi disse...

Reli o texto agora e descobri que tem portanto demais.
Portanto, desculpem pela fraqueza de estilo do comentário.
Substituam os "portantos" em excesso por: logo, então, etc...

beijos.

Anônimo disse...

Ei baianinha,

os comentários também são na base do "se". No meu caso específico, duvido em relação à narradora e em relação a você.

Permita divergir frontalmente: o texto está é muito bem resolvido e o fato de ter provocado as reações que provocou é a mais clara demonstração do que afirmo.